Relatório de uma bolsista que se importa

Texto de Juliana Schneider Guterres

Psicóloga, brasileira, intercambista da CAPES nos EUA, na Fairfield University, Connecticut

Recorte do relatório semanal enviado ao coordenador da bolsa de estudos no Brasil em 20/02/11

 

 

Tem uma coisa que vem martelando na minha cabeça há muitas semanas, mas todas as vezes que eu tento conversar com alguém sobre isso, ninguém dá atenção devida ao assunto. Uma menina de dezenove anos se matou na universidade na primeira semana de aulas. Ela foi encontrada morta pela sua melhor amiga no seu quarto, após ter se enforcado.

Saiu uma notinha no jornal da universidade no dia seguinte e celebraram uma missa em sua homenagem alguns dias depois, mas nada além disso foi feito ou comentado. Quando eu tentava conversar com alguém aqui sobre o assunto, eu era totalmente ignorada, como se as pessoas não entendessem o porquê da minha preocupação ou curiosidade.

Nada que perturbe toda a paz que reina aqui nesta universidade tem muita importância. As pessoas aqui tem todas as mesmas roupas, os mesmos corpos, as mesmas caras, as mesmas opiniões. Se você não participa desse padrão estereotipado de vida, game over. Se você acha que a vida vai além dos muros da universidade, game over. Me pergunto: que mundo é esse onde a vida humana não tem valor? Que mundo é esse que a festa do final de semana é mais importante do que questionar a morte de um semelhante?

As coisas aqui seguem seu ritmo normal – apesar de eu achar que de normalidade isso não tem nada. Sem comentários, sem choros, sem alguém se abalar. E toda essa tristeza, toda esta tragédia vai marcando meu corpo e meus dias aqui. De onde eu venho, isso não é normalidade, chama-se alienação. Me desculpem, mas eu me preocupo com as pessoas e quero comentar o occorido. Me desculpem, mas me dói, me aflige, me rasga a pele e a alma.

Mais nada a falar, muito a pensar.